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Adelia Sampaio: a pioneira negra que Desafiou o Cinema Brasileiro Adelia Sampaio,

© Tomaz Silva/Agência Brasil
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Adelia Sampaio, uma figura inspiradora e revolucionária, completa 81 anos com uma história de vida marcada por coragem, ousadia e um papel fundamental na cultura brasileira. Sua trajetória, desde uma infância desafiadora até se tornar a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, é um testemunho de sua resiliência e determinação.

Em 1984, Adelia quebrou barreiras ao dirigir “Amor Maldito”, um filme que abordava um relacionamento lésbico em plena ditadura militar, enfrentando censura, machismo e a falta de financiamento. Sua história é um farol para as novas gerações de cineastas e artistas que buscam desafiar o status quo e contar histórias autênticas.

A Infância e a Descoberta do Cinema

Adelia Sampaio nasceu em Belo Horizonte e passou parte de sua infância em um abrigo em Santa Luzia do Rio das Velhas, Minas Gerais. Aos sete anos, foi entregue à instituição por sua mãe, Guiomar, que trabalhava como empregada doméstica. Adelia recorda esse período com franqueza e ironia:

“Eu fui criada num asilo, no interior do interior, sem nem saber que cinema existia.”

Guiomar mudou-se para o Rio de Janeiro com suas filhas para trabalhar na casa de uma patroa, buscando uma vida melhor. No entanto, a patroa não permitiu que as meninas vivessem na casa, impondo a separação. Adelia relembra:

“A patroa da minha mãe colocou a minha irmã no colégio interno, e minha mãe teve que me deixar em Minas novamente. Lembro bem das belas roupas que a patroa da minha mãe comprou na Loja Sears, na Praia de Botafogo, para que depois eu fosse para o asilo.”

Aos 12 anos, Adelia se reuniu com sua família graças à sua irmã mais velha, Eliana, que trabalhava como revisora de filmes russos em uma distribuidora na Cinelândia, no Rio de Janeiro. Eliana convenceu Guiomar a deixar o emprego e buscar Adelia em Minas Gerais.

De volta ao Rio, Adelia teve seu primeiro contato com o cinema, um momento que transformaria sua vida:

“Eliana me levou com 13 anos ao cinema pela primeira vez, para assistir a Ivan, o Terrível, de Sergei Eisenstein. Eu saí encantada, feliz da vida, e falei: ‘Eu vou fazer isso’. Riram da minha cara, claro. Mas eu fiz”, relembra.

Os Primeiros Passos no Cinema

Adelia iniciou sua jornada no cinema como recepcionista na Difilm, uma produtora e distribuidora de filmes independentes na Cinelândia. A empresa era liderada por grandes nomes do Cinema Novo, como Glauber Rocha e Leon Hirszman. Apesar da função inicial, Adelia logo se envolveu em diversas tarefas relacionadas à produção cinematográfica.

Entre trabalhos administrativos em distribuidoras e laboratórios de pós-produção, Adelia aprendeu o ofício na prática, improvisando e persistindo.

Ela conta que transportava negativos dentro de um embrulho de jornal e os guardava na geladeira de casa, ao lado da carne congelada: “Me ensinaram que o negativo não estragava assim, então eu guardava tudo ali”.

“Denúncia Vazia”: O Primeiro Curta-Metragem

Aos 22 anos, Adelia dirigiu Denúncia Vazia (1979), seu primeiro curta-metragem. Sem recursos financeiros, mas com o apoio de amigos e colegas da indústria cinematográfica, ela conseguiu realizar seu projeto.

Casada e mãe, Adelia montava seus filmes durante a madrugada, quando as cabines de edição estavam disponíveis. Sua amiga e montadora, Helza Fialho, a incentivava: “Vamos fazer de graça. Arranjo champanhe”, dizia Helza.

O Pioneirismo e “Amor Maldito”

A ascensão de Adelia como cineasta ocorreu em um contexto de escassa representação feminina e negra atrás das câmeras. Ao ser questionada sobre as dificuldades enfrentadas, ela resume:

“Ser mulher, negra e cineasta no Brasil é ser bastarda três vezes. Deus deve ter olhado e dito: ‘É dela’”.

Sua filmografia desafiou a marginalização que a sociedade lhe impunha, dando-lhe voz e controle sobre suas narrativas.

“Amor Maldito”: Um Filme que Quebrou Barreiras

No início dos anos 1980, em plena ditadura militar, Adelia decidiu filmar Amor Maldito. O roteiro foi inspirado em um caso real de um suposto romance entre duas mulheres, no qual uma delas foi encontrada morta após um suicídio. A imprensa explorou o caso de forma sensacionalista e moralista, criminalizando a sobrevivente.

Adelia investigou os arquivos do caso, entrevistou pessoas envolvidas e escreveu a primeira versão do roteiro com o jornalista e escritor José Louzeiro. Ela estava ciente da resistência que enfrentaria.

“Eu tinha certeza de que ninguém ia me dar dinheiro para dirigir um filme sobre lésbicas, suicídio e ainda com uma mulher negra atrás da câmera. Então, fomos com a cara e a coragem.”

Sem o financiamento da Embrafilme, o longa foi realizado com o apoio voluntário de atores, equipe técnica e amigos.

Para garantir a distribuição, Adelia aceitou que Amor Maldito fosse classificado como pornochanchada, uma categoria que permitia o acesso às salas de cinema, apesar do estigma associado.

“Eu não tinha medo de ousar. Se o jeito de botar o filme na rua era esse, eu ia botar.”

As Histórias Reais que Inspiram a Filmografia

Assim como Amor Maldito, a filmografia de Adelia é permeada por eventos reais. Seu curta Denúncia Vazia, por exemplo, é baseado na história de um casal de idosos despejados após a aplicação da lei da “denúncia vazia”. Desesperados, os dois cometeram suicídio.

Adelia convidou os atores Rodolfo Arena e Catarina Bonacasse para participar do filme. “Todo mundo dizia que eu era abusada. E eu era mesmo”, conta Adelia.

O Reconhecimento Tardio e o Legado

Adelia só descobriu que era a primeira cineasta negra do Brasil muitos anos após a estreia de Amor Maldito. A revelação foi feita pela historiadora e cineasta Edileuza Penha de Souza, que encontrou seu nome em pesquisas sobre a participação de mulheres negras no audiovisual.

“Eu nem sabia. Fiquei emocionada. Mas também pensei: que loucura um país esperar tanto por uma mulher negra atrás da câmera.”

Em 2016, Edileuza criou a Mostra de Cinema Negro Adelia Sampaio, um evento de referência para novos realizadores e pesquisadores do cinema afro-brasileiro.

Adelia Sampaio se tornou um símbolo para uma geração de cineastas mulheres e negras que encontram inspiração em sua trajetória.

Embora compartilhe sua história, Adelia é enfática sobre sua linhagem paterna: “Sou filha de um dentista mineiro, Adélio. A família dele me procurou agora. Eu não quis. Minha mãe me criou sozinha. Ele, não. Não achei justo com ela.”

Para ela, a identidade racial sempre foi clara: “Eu sempre soube que era negra. Por causa da minha madrinha, da minha família. Só não sabia que isso iria virar um entrave em tudo. Mas virou.”

Aos 80 anos, Adelia continua sendo uma referência para cineastas mulheres, negras, LGBTQIA+ e para uma nova geração de realizadores que buscam romper com os padrões de representação. Sua obra é exibida em mostras, escolas, circuitos de formação e festivais no Brasil e no exterior. Adelia é considerada uma cineasta que transformou a sobrevivência em estética, a dor em narrativa e a precariedade em potência criativa.

Adelia confessa que o cinema foi, inicialmente, um susto, mas que se tornou uma decisão em sua vida: “Saí daquele cinema e disse: ‘Eu vou fazer isso’. E fiz.”

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

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