Para o vice-presidente da Fieam, Nelson Azevedo, a crise é preocupante em um cenário que exige o esforço de todos
Manaus (AM) – Com a China em crise devido à variante ômicron, a escassez de insumos impacta negativamente a indústria brasileira, agravando, consequentemente, a crise no Polo Industrial de Manuas (PIM), onde a nova escalada da Covid-19 causa sérios danos à produção de muitas empresas. Para o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), Nelson Azevedo, a crise é preocupante em um cenário que exige o esforço de todos. “Estamos sem política industrial e decide-se em Brasília o que deveria ser decidido aqui na Suframa”, diz o líder empresarial. Confira a entrevista.
Em Tempo (ET) – Como você enxerga essa nova onda da Covid-19 na relação do Polo Industrial de Manaus com a cadeia asiática de suprimentos?
Nelson Azevedo (N.A) – Com muita preocupação. Provavelmente com a previsão de mais danos do que a primeira onda deste vírus no Amazonas. Desta vez, a taxa de contaminação é assustadora e nós não nos planejamos para enfrentar os estragos que isso significa. Os países como um todo estão sofrendo as sequelas desta nova variante, a Ômicron. Mas a China, especialmente, está com prejuízos que podem desarticular suas expectativas de crescimento. E por consequência, todas as empresas pelo mundo afora que dependem de sua cadeia de suprimentos. Eles adotam medidas radicais para conter o contágio e isso afeta a indústria e a logística fortemente.
ET – E por quais razões o senhor acha que esta nova onda será muito mais danosa para economia local?
N.A. – Estamos muito preocupados com a taxa de ausências nas empresas do Polo Industrial de Manaus. No setor de duas rodas, tem empresa que reduziu sua carga de trabalho por conta das ausências de colaboradores. Eles retornam ao trabalho quando não há qualquer membro da família com suspeitas de contaminação. Foi a maneira encontrada de evitar que o colaborador seja fonte de contaminação para os seus colegas na fábrica. Neste início de semana, foram anotados 5000 casos novos de pessoas contagiadas. Fora aquelas que não quiseram fazer testagem.
ET – E quais são as medidas de enfrentamento deste cenário de preocupações?
N.A. – As autoridades estão tomando medidas preventivas para contenção do contágio e as empresas reforçaram as medidas sanitárias da OMS: uso de máscaras, lavagem das mãos, evitar aglomeração e farta distribuição do álcool em gel. Mas já estamos com escassez de alguns componentes. Ou seja, é preciso atenção e mobilização. Os custos de contenção vão certamente aumentar. Já estão aumentando.
ET – Então, teremos um ano muito difícil pela frente? O que poderia ser feito?
N.A. – Desde 2020 temos buscado as condições para a retomada de nossa capacidade instalada de produção dos suprimentos. A prontidão asiática é uma lembrança do passado. Precisamos resgatar nossos fornecedores locais de outrora, sentar e negociar parcerias. Muitos deles estão com suas empresas semiparalisadas. O programa Zona Franca de Manaus foi instalado em 1967 com duas finalidades: integrar a Amazônia ao resto do país e substituir as importações. Passados 54 anos, essas metas seguem válidas e atuais. Precisamos de rodovia e investimentos logísticos para uma interação mais inteligente e efetiva com outras regiões do Brasil e retomar o imperativo do adensamento e diversificação do Polo Industrial de Manaus. É muito melhor para a empresa de bem final ter fornecedores locais fazendo as entregas necessárias através do sistema “just-in-time” ou “kanban”, sem estoques intermediários e com grande flexibilidade de ajustes no planejamento da produção.
ET – Como adensar nossa planta industrial com tantas restrições aos novos projetos?
N.A. – Essa é uma situação que precisamos resolver. Temos insistido com a remoção desta fantasmagoria burocrática chamada PPB, um entrave de licenciamento que só existe para Manaus. Nas últimas décadas, ficamos na dependência de dois ministérios, sendo que um deles deixou de existir, o Ministério da Indústria e Comércio.
Isso significa que estamos sem política industrial. E o pior do que isso, decide-se em Brasília aquilo que deveria ser decidido no colegiado administrativo da Suframa, o CAS. Aqui estão representadas todas as autoridades necessárias para tomada de decisão. Por que delegar a burocratas de Brasília a decisão que nos afeta diretamente, da qual somos o principal e o maior interessado.
ET – E o senhor concorda com essa metodologia que condiciona benefício fiscal com geração de emprego?
N.A. – A ideia, acredito, é acompanhada de boas intenções. Suas premissas, porém, são equivocadas. Uma delas está remando contra nossa maior preocupação neste momento, a geração de emprego. Por essa lógica, vamos espantar os investidores da indústria 4.0. É uma indústria que, aparentemente, gera umas poucas oportunidades de trabalho se nós olharmos a instalação e o funcionamento inicial deste segmento. Entretanto, as ofertas de emprego virão inevitavelmente pela movimentação econômica provocada. Gostaríamos de propor aprimoramentos a essas premissas para não afugentar novos investimentos na região.
ET – E qual é o outro equívoco dessa vinculação entre renúncia fiscal e quantidade de postos de trabalho?
N.A. – O equívoco está na palavra renúncia. Alguém só renuncia a alguma coisa pré-existente, algum valor, algum bem ou alguma vantagem. As empresas aqui instaladas são convidadas pelo poder público para empreender na região com o propósito de gerar riqueza e reduzir as desigualdades. O governo renuncia a nada, pois nada existia antes de sua chegada, portanto, a palavra não é renunciar em contrapartida fiscal, pois aqui estamos numa região remota e os custos de infraestrutura são ene vezes maiores que em outras plantas industriais. Nesse contexto, a expressão mais adequada seria incentivo fiscal, ao invés de renúncia.