Matteo Barboza, 1, foi diagnosticado com ectrodactilia, uma condição genética rara, durante a gestação. “Foi tudo muito difícil, mas digo com toda certeza que mais difícil seria não tê-lo comigo”, diz a mãe em entrevista à CRESCER. Conheça a história!
Barboza,1, de São Paulo, tem encantado a web com a sua beleza única e seus pezinhos com formato de coração. O menino foi diagnosticado com ectrodactilia, uma uma malformação congênita rara caracterizada pela falha na formação dos elementos centrais das mãos e/ou dos pés. Ele chamou a atenção dos internautas, acumulando mais de 25 mil seguidores nas redes sociais, e até atua como modelo.
“Criar Instagram do Matteo tem sido bom, porque eu tenho dividido experiência com muitos iguais a ele, tenho tido oportunidade de conversar com pessoas que podem me ajudar de alguma maneira, tenho visto histórias e relatos de outras pessoas assim. Tem sido uma ferramenta de muita ajuda, de saber que ele não está sozinho nessa”, afirma a mãe Letícia Landim Barbosa, 36, dona de casa, em entrevista exclusiva à CRESCER.
Ela ficou muito feliz com toda a repercussão do filho, mas confessa que no início ficou receosa. “Tinha medo de postar e o Matteo sofrer ataques. Mas conforme foram chegando pessoas e iguais a ele, foi me motivando mais. Tem um menininho que tem um pé igual ao dele e faz capoeira, outro que tem o pé e a mãos idênticos que anda e joga bola, outra mulher que usa salto alto. Isso só me motivou a continuar postando a vidinha dele, porque eu vi que o Matteo não é o único, tem muitas pessoas iguais a ele e poder dividir a experiência com elas é incrível”, ressalta.
Mas, Letícia diz que nem todos os comentários são positivos. “Alguns eu apago, outros eu respondo. Eu já sei que vou ter que trabalhar muito a cabecinha dele para ele não sofrer com isso. Mas ele é um bebê muito querido, o coraçãozinho dele é exposto. Ele é um bebê muito amado que supera as expectativas desde a barriga, então, o pezinho dele tinha que ser no formato do coração e é a parte do corpo dele que eu mais amo, acho a coisa mais linda do mundo”, destaca.
‘Meu mundo desabou’
Letícia descobriu a malformação do filho na gravidez, durante o ultrassom morfológico do segundo trimestre. “O médico ficou todo o tempo calado, até que ele disse: ‘Não tenho certeza se é a posição ou eu estou vendo uma má-formação. Eu não estou enxergando o dedo na mãozinha do seu filho e no pé só enxergo dois dedinhos'”, lembra. A mãe ficou preocupada, mas o médico disse para ela não se desesperar e retornar na semana seguinte para outro ultrassom.
Mas, quando ela voltou, não recebeu melhores notícias. O médico confirmou que o bebê tinha uma malformação. “Naquele momento eu chorei bastante”, recorda. Ela foi encaminhada para um especialista em malformação fetal que diagnosticou o menino com ectrodatilia. “Ele me explicou que o pé do Matteo era um formato de mata borrão e que provavelmente a mãozinha dele não ia ter dedo”, diz.
Não foi nada fácil para a mãe ouvir tudo isso. “Meu mundo desabou. Quando falaram a primeira vez já foi muito difícil, a segunda vez foi mais difícil ainda, na terceira vez, que foi de fato confirmado, eu entrei numa depressão. Eu sofri muito. O tempo todo pensava como que ia ser na escola, se ele ia conseguir segurar as coisas, se ele ia conseguir andar… A gestação foi bem complicada. Eu fui só me definhando, porque a gente acaba sofrendo por antecedência”, lamenta.
‘Perguntaram se eu não queria interromper a gestação’
As semanas foram passando e os médicos acompanharam a gestação bem de perto. Em uma consulta, eles perceberam que ela estava com líquido amniótico baixo para a idade gestacional. Ela, então, foi encaminhada para um hospital público e descobriram que Matteo também tinha displasia renal bilateral, malformação do trato renal, caracterizada pelo desenvolvimento anómalo ou incompleto de ambos os rins.
A mãe precisou ser internada para que os médicos pudessem fazer um acompanhamento ainda mais próximo e entender se havia alguma outra má-formação. “Eles me seguraram uma semana e falaram para ir para casa, mas disseram que eu teria que passar em consulta uma ou duas vezes na semana, porque como líquido estava bem baixo, ele poderia entrar em sofrimento fetal“, diz.
Em uma das consultas, ela recebeu outra notícia devastadora do médico. “Eu lembro que ele me falou: ‘É como se seu filho não tivesse rim. Eu sei que você já está numa gestação mais avançada, mas eu acredito que o seu filho não vai sobreviver. Talvez ele viva um dois dias agora, mas pelo que eu estou vendo aqui, eu não dou muito tempo de vida para o seu filho'”, recorda. “Um outro médico me avaliou e me perguntou se eu não queria interromper a gestação. Mas eu disse que não, que eu já estava segurando até aqui e ia segurar até o fim”, acrescenta.
Arrasada, ela voltou para casa para aguardar a chegada do filho. “Foi muito difícil aceitar que ele tinha uma malformação no pé e na mão, mas quando descobri a má-formação dos rins dele, eu até esqueci disso. Aí foi uma luta constante para poder entender como que era essa questão do Matteo ter o rim malformado e como que isso ia interferir na vida dele”, diz. Eles descobriram que a causa da ectrodatilia e da displasia renal bilateral era uma má-formação no DNA, mas não era hereditário. “Ele tinha uma duplicidade no DNA. Era para ele nascer assim mesmo”, afirma.
‘O pezinho dele parecia um coraçãozinho, achei a coisa mais linda’
A reta final da gestação foi bastante tensa para a mãe. “Eu ficava chacoalhando o tempo todo para sentir ele mexer, porque eu tinha muito medo de ele morrer dentro da minha barriga”, diz. Em 4 de março de 2023, com 37 semanas gestacionais, Matteo nasceu por cesárea. “Quando ele nasceu, eu não escutei o choro de imediato e já me deu um desespero tremendo. Minha irmã me acalmou e disse que ele estava chorando e era lindo. Quando o vi, eu lembro que eu não consegui enxergar a má-formação dele, para mim o pé e a mãozinha dele eram normais. Eu só conseguia pensar que ele estava vivo e esperar que ele se mantivesse vivo”, lembra.
O menino precisou ser levado para a UTI e Letícia foi para o seu quarto, onde conseguiu se acalmar. “No outro dia, eu fui lá vê-lo. Foi então que eu vi a mãozinha dele com dois dedinhos e o pezinho dele que parecia um coraçãozinho, achei a coisa mais linda do mundo. Na hora, eu nem fiquei preocupada como que ia ser escola, se ele ia conseguir se virar, se ele ia sofrer preconceito, simplesmente estava dando graças a Deus que ele estava vivo”, afirma.
‘Mais difícil seria não tê-lo comigo’
Letícia ficou muito surpresa como Matteo se desenvolveu bem. “A malformação do pé e da mão não afetam em nada. Toda aquela preocupação que eu tinha de como que ia ser o dia a dia dele, como que seria a vida dele [foi em vão], eu não vejo dificuldade nenhuma. Tudo ele faz com a mãozinha dele, ele pega tudo, ele consegue segurar as coisas, ele tem levado a colher para a boca, ele mexe em tudo… Se com dois dedinhos ele não para, imagina se fossem cinco”, diz a mãe.
Agora, ele faz acompanhamentos regulares com fisioterapeuta, nefrologista, nutricionista, pediatra, ortopedista e vai começar com uma fonoaudióloga também. “Ele tem 1 ano e 4 meses e ainda não anda, mas conversando com a fisioterapeuta dele, a gente constatou que não é por conta do pé dele, ele não anda por conta das internações devido aos rins. Ele tem muitas internações longas, são geralmente mais de 15 dias, 20 dias, um mês. Aí fica muito tempo no berço, fica muito tempo deitado, por isso, quando ele vai para o chão para andar, ele tem medo, então, ele ainda não anda”, explica.
Segundo ela, o maior problema de Matteo não é a ectrodactilia, mas a displasia renal bilateral. “Ele vai precisar de transplante, porque o rim dele não vai desenvolver. A vidinha dele não é fácil, atualmente ele faz diálise peritoneal [terapia que utiliza o revestimento do abdômen, cavidade peritoneal, para remover toxinas do sangue] e a gente está esperando ele chegar a 10 quilos para ele entrar na fila do transplante e conseguir ter uma qualidade de vida melhor”, afirma.
A família precisa enfrentar muitos desafios, mas Letícia busca se manter otimista. “Passar por tudo isso não é fácil, mas o Matteo tem uma recuperação tão boa de tudo, ele tem uma garra para viver que eu vejo que todo medo que eu tinha era nada perto do que ele vive. Ele é incrível”, destaca. “Da descoberta das más-formações na gestação até os dois meses de vida do Matteo foi tudo muito difícil, mas digo com toda certeza que mais difícil seria não tê-lo comigo. Passaria por tudo novamente para poder desfrutar os momentos bons que temos com ele”, finaliza.
Sobre a ectrodactilia
“Ectrodactilia é uma malformação congênita rara que se caracteriza pela falha na formação dos elementos centrais das mãos e/ou dos pés, podendo ocorrer unilateralmente ou mais frequentemente bilateralmente (nas duas mãos ou nos dois pés)”, explica Alexandre Zuccon, especialista em ortopedia pediátrica, do Hospital Ortopédico AACD. Segundo ele, a incidência varia entre 1 a cada 90 mil nascidos vivos (no acometimento bilateral, mais comum) a 1 para cada 150 mil nascidos vivos (no acometimento unilateral). “A causa é geralmente por alteração genética: micro duplicação ou triplicação de região do cromossomo 17”, afirma.
De acordo com Alexandre Zuccon existem seis tipos de Ectrodactilia:
- Tipo I: 5 metatarsianos presentes e normais
- Tipo II: 5 metatarsianos presentes e existe hipoplasia parcial (diminuição de um tecido em um determinado órgão ou parte do corpo)
- Tipo III: 4 metatarsianos presentes
- Tipo IV: 3 metatarsianos presentes
- Tipo V: 2 metatarsianos presentes (“pé em pata de lagosta”)
- Tipo VI: 1 metatarsiano presente
A ectrodactilia pode estar associada a outras condição, como a displasia renal bilateral, assim como no caso de Matteo. Isso porque a mesma alteração genética que causa a ectrodactilia pode também afetar o desenvolvimento dos rins. Mas, vale ressaltar que essa relação não é uma regra absoluta e que a presença de uma condição não garante automaticamente a existência da outra.
“O diagnóstico é clínico, pelo aspecto dos membros acometidos, que em alguns casos se assemelham com pés e mãos ‘fendidos’. É possível identificar durante a gravidez na ocasião do ultrassom morfológico, a partir de 16 semanas e principalmente após 20 semanas de gestação“, afirma o especialista.
Existe tratamento?
Alexandre Zuccon explica que algumas pessoas com ectrodactilia podem precisar de acompanhamento com fisioterapia, mas, de forma geral, apresentam boa funcionalidade e se adaptam bem à condição. “Pode haver indicação de tratamento cirúrgico em casos em que interfere na qualidade de vida e, desta forma, acabam necessitando de um período de reabilitação com fisioterapia e terapia ocupacional”, diz.
Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Globo