Precipitação de janeiro ajudou no aumento da reserva de água, mas nível ainda está abaixo do ideal para o período
Janeiro começou com muita chuva em São Paulo e os temporais se estenderam ao longo dos primeiros dias do ano. O sistema Cantareira, o maior produtor de águas na região metropolitana, terminou 2021 com 24,9% da capacidade, na chamada fase de restrição, mas tem se recuperado e pode subir para a fase de alerta. Hoje ele está com 29,9% de armazenamento. A situação traz um pouco mais de conforto, mas, ainda assim, requer atenção, de acordo com especialistas.
Segundo o boletim da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) desta terça-feira (18), já choveu no sistema neste mês 145,3 milímetros. A média histórica para janeiro é de 263,7 mm.
Mas quando comparamos com o dia 1º de janeiro de 2014, durante a crise hídrica, percebemos que a situação do Cantareira era bastante similar à de hoje, com 27,2% da capacidade de reservação. Em meados de janeiro de 2021, o manancial tinha 40,1% de armazenamento, índice bem maior do que o atual.
Em 11 de julho de 2014, o reservatório chegou ao nível zero e foi preciso explorar o volume morto, aquele abaixo do nível operacional e também chamado de reserva técnica, que só pode ser utilizado com bombeamento.
Para Pedro Luiz Côrtes, professor de pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, a situação no Cantareira está crítica e não é de hoje. “Ele está ruim nos últimos 11 anos, com chuvas abaixo da média histórica. A exceção foi um só ano e isso é preocupante. Diminuímos a dependência desse sistema, mas ele ainda é o principal de São Paulo”.
Já o professor de recursos hídricos e saneamento do Mackenzie e da FESP, Antônio Eduardo Giansante, é mais otimista e acredita que hoje a situação é mais confortável do que em 2013. “O Cantareira está se recuperando, mas há uma tendência à inércia. Se a tendência de chuvas permanecer, o sistema vai se recuperar. Essa tendência de melhora nos deixa mais tranquilos, mas dependemos de chuvas e as previsões meteorológicas não são exatas”, diz.
Segundo ele, o sistema está atualmente “mais forte e resiliente” a uma eventual estiagem. A segurança hídrica vem também do fato de os sistemas estarem interligados, o que permite a transferência de água entre reservatórios.
“Os outros mananciais estão com níveis melhores. É preciso repor a reserva de água no solo, encharcar primeiro antes de começar a armazenar. A vantagem é que os regimes de chuva são diferentes nos mananciais. Chove menos no Cantareira, mas chove na Serra do Mar. Temos vantagens, mas não podemos relaxar”, exemplifica Giansante.
Nesta terça, o sistema Rio Grande tem 98,3% do volume de armazenamento, São Lourenço, (90%), Guarapiranga (73%), Cotia (56,8%), Alto Tietê (48,5%) e Rio Claro (44,5%). Juntos, os sete sistemas totalizam 46,1% da capacidade de reservação de água.
A Sabesp tem uma escala para medir o volume útil dos reservatórios. O manancial apresenta estado normal quando o volume é igual ou superior a 60%; estado de atenção com o volume igual ou superior a 40% e inferior a 60%; em alerta, superior a 30% e inferior a 40%; e em restrição, superior a 20% e inferior a 30%. A medição de referência é a do último dia do mês.
Cenários Cemaden
De acordo com projeções do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), considerando um cenário hipotético de chuvas na média histórica de outubro de 2021 a abril de 2022, a média de vazão no Cantareira poderá ser em torno de 81% da média no período e o armazenamento no sistema, no final de abril, poderá chegar a 48%.
De acordo com o boletim, a média de vazão no Cantareira de abril a setembro passado foi 11 m³/s, apenas 36% da média histórica para a estação seca, que é de 30 m³/s. A estiagem terminou com um déficit de vazão de 64% em relação à média histórica.
No mesmo período, a média de vazão de extração dos reservatórios foi de 31 m³/s e a média para o abastecimento da região metropolitana de São Paulo atingiu 21 m³/s, o que representa o menor valor para o período seco desde a crise hídrica de 2014.
“A quantidade de água hoje armazenada é igual ao início da crise em 2014. As mudanças climáticas estão se impondo de maneira muito intensa. Isto afeta o abastecimento e a geração de energia elétrica. No passado, o Brasil tinha água de sobra, precisamos agora repensar o abastecimento nas próximas décadas para não ficarmos tão dependentes das chuvas”, ressalta Pedro Luiz Côrtes.
O gráfico acima mostra as projeções de armazenamento do sistema Cantareira para cinco cenários de precipitação: chuvas abaixo de 50% da média histórica (linha verde), 25% abaixo da média histórica (azul-clara), na média (cinza) e 25% acima da média histórica (azul-escura) e cenário crítico (laranja).
Segundo o Cemaden, em abril, se levarmos em consideração chuvas dentro da média histórica e a interligação com o rio Paraíba do Sul, o Cantareira deverá voltar à faixa de operação de atenção, com armazenamento entre 40% e 60% da capacidade.
No entanto, considerando o cenário de precipitação 25% e 50% abaixo da média, o reservatório estaria, respectivamente, ao final de abril, na faixa de restrição (com 20 a 30% da capacidade) ou até na faixa especial, com armazenamento entre 0% e 20%.
“As chuvas de verão devem dar uma trégua e ficar abaixo da média, então a recuperação do Cantareira não vai se manter na atual velocidade. O sistema demorou a começar a subir, então é como se estivéssemos contando moedas. Entramos o ano com os sistemas em níveis baixos e a estiagem deve se prolongar no segundo semestre”, revela o professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Ele complementa: “A gente vai ter subida de nível dos mananciais. O problema é que depois entramos na estiagem com uma recuperação pequena do Cantareira, não vai ser vigorosa. Chegaremos na estiagem numa situação pouco confortável, em torno de 30 a 35%, mas o consumo médio varia de 20 a 30% no período. Assim a gente chegaria no fim do ano com 15%, então o contexto climático não é favorável, embora as chuvas deem a sensação de que a situação está se regularizando”.
Um outro problema é a má distribuição das chuvas, algumas regiões com muita e outras com seca. O ideal para os mananciais é que os temporais sejam constantes para encharcar o solo e, assim, começar a reter a água nos reservatórios.
O professor Pedro Luiz Côrtes lembra ainda que o fenônemo La Niña atua sobre o país e consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico, o que provoca mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura. Com isso, reduz-se a quantidade de chuvas na região metropolitana de São Paulo.
“Para São Paulo, qualquer época do ano é sempre um desafio para o abastecimento de água por causa do tamanho da população. São 22 milhões de habitantes. Estamos em uma região de nascentes, existe água, mas, em face dessa população enorme, fomos obrigados a buscar água cada vez mais distante”, explica Antônio Giansante.
Medidas para segurança hídrica
Para assegurar a segurança hídrica, é preciso preservar as áreas onde ficam os mananciais, combater o desmatamento, recuperar a vegetação do entorno dos reservatórios, investir no reúso da água e dessalinização, além de reduzir as perdas na distribuição.
Desde a última crise hídrica, a população tem economizado água, em média, de 10 a 12%.
“No Brasil o m³ da água varia de R$ 2 a 2,50. Em outros países, a água reciclada é 2 a 3 vezes mais cara. É preciso investir mais em tecnologia, pensar a médio prazo em reúso como alternativa. No esgoto, 99% é água. São sempre alternativas grandes e complexas, mas é preciso porque chove cada vez menos no Cantareira ao longo dos anos”, explica Giansante.
Pedro Luiz Côrtes, no entanto, não acredita que seja necessário o uso de volume morto ainda neste ano. Ele defende que a redução de pressão já é uma forma de racionamento: “Ela já está ocorrendo com a redução no período noturno e as pessoas acabam ficando sem água. A Sabesp assume isso para reduzir as perdas e não atrela à crise hídrica. Também não acredito que tenha racionamento em ano eleitoral porque tem o ônus político”.
Antônio Giansante concorda: “Ano eleitoral é mais improvável que tenha racionamento, mas não se deve escamotear, por isso temos os técnicos. O saneamento precisa ser discutido também nas eleições, mas o assunto está em 9º lugar porque a população se acostumou a viver com esgotos”.
Sabesp
Em nota, a Sabesp informou que não há risco de desabastecimento neste momento na região metropolitana de São Paulo, mas reforçou a necessidade do uso consciente da água. Segundo a companhia, as projeções são de aumento no nível dos reservatórios em janeiro e fevereiro, meses com maiores médias históricas de chuvas.
“Desde a crise hídrica, os investimentos da companhia tornaram mais robusto e flexível o Sistema Integrado (sendo possível abastecer áreas diferentes com mais de um sistema), entre eles o São Lourenço, com investimentos de R$ 2,21 bilhões, e a interligação da bacia do Paraíba do Sul com o Cantareira por R$ 555 milhões”, escreveu em comunicado.
Já a obra de interligação do rio Itapanhaú, de R$ 111,5 milhões, ainda está em andamento. A operação deve ter início no primeiro semestre.
Para garantir a segurança hídrica, a empresa disse adotar um conjunto de medidas, entre elas a integração dos sistemas (com transferências de água entre regiões), ampliação da infraestrutura e gestão da pressão noturna para redução de perdas na rede, além de campanhas pelo uso consciente da água.
Foto: LUIS MOURA/WPP/ESTADÃO CONTEÚDO/ 14.01.2022
Fonte: R7