Marcos Pontes fez parte da missão Centenário, a bordo da Soyuz TMA-8
O Brasil e o mundo vivem hoje uma realidade de isolamento social e quarentena, em uma tentativa de evitar a propagação do coronavírus. Uma nova rotina que, para a maioria, foge do ritmo de vida moderno. Uma pausa que não foi planejada, mas que, segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), pode salvar vidas.
A orientação da comunidade científica é que as pessoas fiquem em casa, evitem sair às ruas.
Por outro lado, há um alerta para as possíveis consequências do confinamento, como alteração da saúde mental e emocional. Mas como driblar a sensação de estresse, medo e, muitas vezes, solidão?
Essa situação é bem comum para um tipo de profissional: os astronautas, que, em missões espaciais, passam dias ou meses a estudar, realizando pesquisas astronômicas e de aplicação na Terra.
O recorde mundial de tempo no espaço é do cosmonauta russo Genaddy Padalka, que ficou 879 dias na órbita do planeta, num total de cinco missões.
Em entrevista ao Universo, da Radioagência Nacional, o astronauta brasileiro e ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, fala dos desafios e ganhos da experiência de estar isolado fora da Terra.
Pontes fez parte da missão Centenário, que o levou ao espaço em 30 de março de 2006, a bordo da Soyuz TMA-8. Foram 10 dias, 2 na Soyus e 8 na Estação Espacial Internacional.
Ele faz um paralelo entre o que vivenciou na missão e os dias atuais enfrentados no planeta.
Saúde de um é saúde de todos
”Primeiro, vamos levar pelo lado da saúde. A situação de confinamento dentro de uma espaçonave, junto com outros tripulantes, exige uma ação pensada. Ou seja, tudo que nós fazemos é planejado e feito com consciência de que o trabalho e a atitude de cada um de nós são importantes para o grupo. E, logicamente, o trabalho de dentro de uma estação espacial reflete em novos ganhos para a ciência, novos conhecimentos, novos produtos, novos equipamentos que são desenvolvidos. Então, é uma coisa útil para a humanidade. A situação de confinamento em um espaço limitado é justamente o que temos em uma espaçonave.
É um espaço limitado, com uma tripulação em situação muito inóspita do lado de fora – obviamente, o espaço – e em situação de estresse, ali dentro existe uma situação de estresse. Lógico que isso envolve aspectos emocionais também. A começar pela saúde, primeiro o cuidado que temos diariamente com a espaçonave em termos de tratamento ou limpeza de cada uma das regiões. Todo dia, cada um de nós é responsável por fazer a manutenção. Eu com a manutenção de sistemas, por exemplo. Mas, também, tem uma escala para limpeza. Então, tem que ter muito cuidado para evitar a proliferação de bactérias e fungos. Então, o espaço é confinado e qualquer tipo de proliferação pode prejudicar a saúde de todos.
Outra coisa é a higiene pessoal, extremamente importante nessas condições e isso tem a ver com o coronavírus. A questão de lavar as mãos e evitar assim o contágio, ou reduzir a probabilidade. Isso também no espaço é muito importante.
Importante que mantenha sua saúde no espaço, faça exercícios físicos diários, cuidado com a higiene. Isso não é opcional. Está previsto na sua agenda diária.”
Alimentação adequada e qualidade do sono
“Como você está em uma situação de estresse e isso tende a baixar sua imunidade, a alimentação é extremante importante no espaço. Da mesma forma, em uma situação como essa – de pandemia –, a gente entende que as pessoas estão com medo, com estresse. É importante manter alimentação correta. E também o sono, procurar dormir nas horas corretas, procurar relaxar. Higiene, alimentação e sono são extremamente importantes.”
Se comunique e mantenha uma rotina que o conecte aos seus sonhos
”Outra coisa, embora você esteja isolado da população da Terra em uma espaçonave, a comunicação com as pessoas é importante. Aí vem o ponto, onde o MCTIC tem uma função muito importante de manter a comunicação hoje, internet funcionando.
Marcos Pontes, astronauta brasileiro (getty.jpg, por Nasa/Divulgação)
O ser humano é um ser social, então esse contato com as outras pessoas é importante. No momento, temos que evitar o contato físico, mas podemos conversar pela internet, telefone ou a distância. Conversar com as pessoas, manter os assuntos, focar no trabalho, para não pensar o tempo inteiro em doença, em pegar ou não o vírus. Fazer as coisas que são importantes para você, lembrar dos seus sonhos, dos seus objetivos de vida. Tudo isso faz bem e fazendo bem para você, faz bem para o seu sistema imunológico e isso te protege também dos efeitos desse vírus.
Mesma coisa no espaço, manter o foco no trabalho, lembrar das razões, seu propósito de vida, o bem que você está fazendo para a humanidade, tudo isso para não esquecer sua missão de vida em tudo isso.”
O medo e o estresse são naturais, mas respeite e entenda o outro
”Outra coisa é a relação entre as pessoas em um confinamento. O fato de estar em situação de estresse, traz o medo. Lógico que você tem medo quando você está no espaço, pelo fato de estar em ambiente inóspito. Por exemplo, eu tive o disparo do alarme de incêndio em um dos módulos. O coração vai disparar, o medo vai aparecer. Isso é natural, somos humanos.
Nós somos treinados para responder a situações críticas, de emergência, de uma forma ”fria”, usando check list, conhecimento técnico e operacional. Isso não quer dizer que não haja medo, o coração está batendo forte, mas você faz o que tem que fazer.
Da mesma forma, as pessoas agora estão numa situação de estresse e de medo. Temos que cuidar da maneira que tratamos as pessoas, quem está perto. Em situação de estresse é natural descontar em quem está perto, perder a paciência rápido. Acontece. Então, tem que haver entendimento dos dois lados. Para quem está ali prestes a perder a paciência, é contar até dez. Ter mais flexibilidade, mais paciência. E para quem está do outro lado, às vezes você recebe uma informação de uma forma errada de outra pessoa. Também é ter paciência, também entender que o outro está com medo, também está com estresse. Isso faz parte de um bom tratamento na tripulação e por isso que somos tão treinados, tão escolhidos para as missões.”
A conexão com o outro é o que garante o sucesso
”Ainda falando de relacionamento humano, claro que como astronauta somos bem treinados tecnicamente e operacionalmente. Sabemos como operar o sistema, fazer manutenções. Mas, o relacionamento entre a tripulação é essencial. É o que vai garantir o sucesso ou, às vezes, pode levar até uma falha a um projeto. Então, erros de comunicação, erros de entendimento ou desentendimentos são problemas que podem acontecer em um grupo atuando sob estresse, em situação de confinamento.
É importante levar em conta o outro lado. Muitas vezes quando você pensa, olhando para a Terra ‘poxa toda a minha família está lá! As pessoas do planeta estão lá e eu estou aqui, separado.
A tendência que dá é de se sentir mal, como se você tivesse sido desconectado de tudo aquilo que é importante para você na vida. E é nesta hora que a gente tem que ter mais ligação, perceber a ligação com as outras pessoas que estão ao lado na tripulação, passando pela mesma situação. E aí, é a hora que tem que aparecer aquele sentido humano de compartilhar, de ajudar um ao outro, de compaixão. De se colocar no lugar da outra pessoa. É onde têm que aflorar as melhores coisas do ser humano, é justamente nessas horas. E lembrar que as pessoas, às vezes, estão lá na Terra, elas estão distante de você fisicamente. Mas, não estão distantes emocionalmente. Elas estão pensando em você, você está pensando nelas. E aí, é a hora que você se prende às emoções e lembranças boas.
Então, durante o período difícil, você pode utilizar as coisas boas que têm dentro de você. Agora é o momento. E isso é o que a gente sente dentro da espaçonave, essa ligação, união da tripulação. A união com os controladores de voo que trabalham dia e noite para te manter vivo, te manter bem. Então, esse carinho e respeito são extramente importantes e valem para o Brasil neste momento.”
Edição: Graça Adjuto