Um mural de 34 metros de comprimento, pintado pelo artista muralista Fabio Ortiz, com quatro imagens da presença indígena em Manaus, será uma das atrações do memorial Aldeia da Memória Indígena de Manaus que será inaugurado pelo prefeito David Almeida, nesta segunda-feira, 19/4, data em que se celebra o Dia do Índio, em um local onde antes existiu um cemitério indígena, na Praça Dom Pedro II, Centro Histórico.
“São quatro imagens nos 140 metros quadrados do mural retiradas de livros históricos, mostrando o mapa das calhas dos rios onde existe a forte presença dos povos indígenas no Amazonas desde muito antes da presença europeia, além do herói-ícone da luta, o grande Ajuricaba; ainda os Manaos e o cemitério indígena na visão do colonizador quando aqui chegou”, explica o diretor-presidente da Fundação Municipal Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), Alonso Oliveira.
Ele reforça a recomendação feita pelo prefeito David Almeida em reparar essa invisibilidade indígena e o protagonismo da narrativa da história da cidade de Manaus, reconhecendo o espaço do cemitério como um lugar sagrado pelos povos que compõem a ancestralidade da sociedade manauara. “Estamos começando a reparar o passivo histórico do poder público com nossos irmãos indígenas, e este belo painel mostra a importância dos povos ancestrais na formação social e cultural de nossa sociedade”, declarou Oliveira.
O artista muralista, Fábio Ortiz, 27, autor de painéis de grafitte urbano, é estudante de Agronomia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), filho de pais ribeirinhos do munícipio de Manacapuru, com descendência de peruanos e nordestinos. Ele estava pensando em desistir da arte do grafitte por conta das dificuldades da pandemia, quando procurou a Manauscult para saber sobre os projetos de incentivo. “Hoje me sinto contemplado de poder contar essa história de tantos séculos de existência e luta”, fala orgulhoso Ortiz, ressaltando que tem aprendido muito sobre o protagonismo dos povos indígenas na história de Manaus e do Amazonas.
Cosmologia indígena
O professor doutor em Antropologia Cultural, João Paulo Barreto Tukano, o porta-voz dos indigenas na reivindicação para a atual conquista do memorial, explicou a importância e o que representa a arte retratada no mural em frente ao Memorial Indígena. “O painel com o mapa representa que nesse território existiu, existe e vai sempre existir povos que habitam nela. O desenho é uma expressão da cultura indígena, do território sagrado dos povos originários”.
Como consequência, a arte apresenta também as imagens, os retratos da presença indígena, mostrando que aqui existiram povos originários com culturas, com pensamento e filosofia diferentes daqueles que vieram do Ocidente. “Assim essa representação no desenho fala dos povos indígenas e do seu território; terra considerada como corpos indígenas, retratando o território”, destacou o professor.
Ele explica que o cemitério retratado não é meramente uma terra qualquer. “Porque terra para nós é um corpo humano sobretudo um corpo de mulher porque só existem duas condições de gerar vida: como terra ou como mulher”. Portanto, essa noção é muito importante para os povos indígenas, na medida em que quando consideram como corpo de mulher é preciso de cuidado especial, de uma relação de pessoas de seres humanos. “O retrato do cemitério significa que aí estão os corpos indígenas de volta ao corpo e à casa da mãe terra, e como mãe nos acolhe, nos recebe no seu corpo. Ali estão presentes os corpos e os espíritos indígenas, portanto para nós é um solo sagrado esse sentido de casa e para nós é muito importante”, complementou.
O professor conclui explicando a importância do local onde será inaugurado o memorial. “Essa noção nos leva a considerar que esse lugar é especial, onde podemos nos comunicar, interagir por vários meios, como através do sonho, com nossos entes queridos que já foram, mas estão aí presentes”.
Texto – Cristóvão Nonato / Concultura
Fotos – Oliveira Júnior / Manauscult