Conforme a imunização avança, algumas cidades brasileiras já planejam exigir certificado de vacinação para acessar alguns locais
Com 100% dos adultos vacinados contra covid-19 com ao menos uma dose e 50% completamente imunizados, a cidade de São Paulo pretende exigir uma espécie de passe sanitário para quem desejar acessar determinados locais.
O anúncio foi feito pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) nesta semana. Ele chegou a afirmar que seria exigido o comprovante de ao menos uma dose em bares e restaurantes, o que posteriormente foi negado pelo secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido.
A obrigatoriedade deve ser somente para eventos com público, como jogos de futebol, shows e feiras de negócios, por exemplo.
Aos bares e restaurantes, o uso é facultativo. A medida ainda não tem data para entrar em vigor.
A Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou na sexta-feira que começará a exigir o comprovante de vacinação a partir de 1º de setembro para moradores e turistas que quiserem acessar academias de ginásticas, pontos turísticos, convenções, museus, estádios, cinemas, teatros, entre outros estabelecimentos. Ficaram de fora, no entanto, bares e restaurantes.
O estado do Amazonas já adotou a exigência do cartão de vacinação que comprove que clientes de bares e restaurantes tenham tomado ao menos a primeira dose da vacina.
O presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo), Paulo Solmucci, criticou a iniciativa, ainda que não seja mandatória para o setor.
Segundo ele, o passaporte geraria aglomerações e filas nos restaurantes, além de criar uma falsa sensação de segurança.
Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei prevê a criação do Passaporte Digital de Imunização, um documento eletrônico uniformizado para todo o Brasil.
“Tendo em vista o cenário de incertezas gerado pelo prolongamento da pandemia de covid-19, precisamos de novas tecnologias que garantam a circulação segura de pessoas em espaços públicos. Por isso, sugerimos a substituição do Atestado de Vacinação impresso pelo Passaporte Digital de Imunização”, diz o autor, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), à Agência Câmara.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na sexta-feira (27), que “passaporte não ajuda, não ajuda em nada”. Segundo ele, a medida restringiria a liberdade das pessoas.
Em entrevista anterior ao R7, o infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu Alexandre Naime Barbosa ponderou que o passaporte de vacinação é mais educativo do que eficaz na prevenção da covid-19.
“Esse tipo de medida pode fazer sentido como uma forma, vamos dizer assim, de coação para a pessoa se vacinar, mas não faz sentido no que tange o lugar onde ela está sendo exigida. […] Não faz o menor sentido exigir um cartão de vacinação para entrar em um lugar público porque posso estar vacinado e transmitir [o vírus]. Em um lugar público, o que eu preciso fazer? Usar máscara e ter distanciamento social.”
Já a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), concorda com a exigência.
“O ideal é que a gente não precisasse exigir, mas como estratégia coletiva e medida de saúde pública para a segurança das pessoas, o passe vacinal deve ser solicitado.”
O passaporte vacinal é uma estratégia quase que coercitiva usada em países com dificuldade para fazer a campanha de vacinação andar, como ocorreu na França, que desde o começo deste mês exige vacinação para quem deseja acessar bares, restaurantes, museus, centros de compras e até para viajar.
A medida tem sido alvo de protestos no país. Mas a França conseguiu elevar, nas últimas 10 semanas, de 58% para 89,8% a parcela de adultos que receberam ao menos uma dose.
O governo viu crescer o interesse pela vacina após o anúncio, em meados de julho, de que cidadãos não imunizados sofreriam restrições.
Mas no Brasil a resistência à vacinação é baixa, segundo os números oficiais. A própria cidade de São Paulo tem metade dos moradores com mais de 18 anos completamente imunizados.
Dados do Ministério da Saúde mostram que mais de 80% dos adultos já receberam ao menos uma dose — patamar superior ao da União Europeia (66,8%) e dos Estados Unidos (73,4%). Outros 36% têm o esquema vacinal completo.
Porém, com a notícia de que 8,5 milhões de brasileiros estão com a segunda dose em atraso, o infectologista Ivan França, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, avalia que exigir o certificado de imunização pode ser uma forma de que as pessoas busquem completar o esquema vacinal.
“Temos ainda um déficit muito grande de pessoas que estão faltando para tomar a segunda dose. Medidas como essa, de alguma maneira, estimulam fortemente a população a buscar a vacina, seja os que não quiseram tomar [a primeira] até agora ou aqueles que não foram buscar a segunda dose. Por mais impopular que seja a medida, é um contraponto em relação a essa movimento que acontece agora da abertura de shows, partidas de futebol [com público], feiras de negócios…”
O médico lembra que São Paulo é uma cidade que recebe gente do país inteiro para eventos, além de ter uma população flutuante de municípios vizinhos, o que justifica, segundo ele, o controle de pessoas vacinadas onde houver concentração de pessoas.
Ethel Maciel acrescenta que não há necessidade investimento em aplicativos para prefeituras que pretendam investir nesse tipo de medida.
A cidade de São Paulo incluiu o certificado de vacinação dos moradores no aplicativo e-saúde SP.
A professora ressalta que o ConecteSUS, do Ministério da Saúde, já tem as informações de imunização e emite certificados com código QR.