Autoridades afirmam que não há data prevista para encerramento dos trabalhos; famílias relatam dramas do luto nestes últimos anos
A professora Natália de Oliveira, moradora de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, não se esquece do que fazia por volta das 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019.
“Eu estava em casa, assistindo a uma série de TV, quando começaram a chegar as mensagens dizendo que uma barragem da Vale havia se rompido”, relata a educadora após exatos três anos da tragédia que causou a morte de sua irmã, Lecilda de Oliveira.
Lecilda tinha 49 anos e trabalhava na mineradora há quase 30. “Ela era conhecida como a Lecilda da Vale”, recorda Natália sobre a funcionária da empresa, que teve o corpo identificado no dia 29 de dezembro de 2021, após quase três anos do colapso. Até o momento, ela é considerada a última vítima a ter a identidade confirmada – a de número 264.
“Foi uma espera tão grande. Teve dias de ligar para o IML [Instituto Médico-Legal] e dizer: oi, minha irmã não está aí não? Aos sábados à noite, naqueles dias de desespero, nesses feriados, eu pedia para olhar direitinho. Perguntava se haviam olhado tudo”, desaba a professora quase um mês após enterrar Lecilda.
Seis famílias, por outro lado, ainda aguardam notícias sobre parentes também levados pela onda de rejeitos que cobriu uma área de 3 milhões de metros quadrados, o equivalente a 420 campos de futebol.
Entre estas vítimas está Maria de Lourdes da Costa Bueno, então corretora de imóveis, de 49 anos. Malu, como era conhecida, é a única não localizada que não trabalhava na Vale. Ela é do interior de São Paulo, mas estava na cidade mineira a passeio com o marido e os dois enteados. Um deles, Luiz Talibertti, estava acompanhado da noiva. O casal celebrou a primeira gestação.
Por um lance do destino, a família estava dentro da Pousada Nova Estância no momento em que a tsunami de lama levou a hospedaria conhecida por receber celebridades.
“Eles não iam ficar na pousada. Eles mudaram de última hora, mas não sabemos o porquê. A gente também sabe que eles tinham planejado passar aquele dia no museu de Inhotim, mas uma série de problemas com voos colocou eles naquele momento na pousada. Inclusive, eles iam tentar passar parte do dia no museu, mas atrasaram”, conta a analisa de inteligência de mercado Patrícia Borelli, filha de Maria de Lourdes, sobre a última viagem da vida dos parentes.
Patrícia não estava no passeio. Na época, ela já morava nos Estados Unidos, onde vive atualmente. Os poucos detalhes sobre os últimos passos da mãe ela soube por meio de relatos de testemunhas e por uma tentativa própria de rastrear o trajeto da família.
“Eu não sabia que eles estavam em Brumadinho. Eu sabia que iriam viajar, mas não sabia para onde. O dia 25 foi um dia normal de trabalho. Eu vi as notícias de Brumadinho, como o Brasil inteiro, mas sem saber que minha família tinha sido pessoalmente impactada por aquilo. No dia seguinte, uma amiga da minha mãe me ligou dizendo que eles [os parentes] estavam naquela região que fazia um dia que ninguém conseguia contato com eles”, descreve Patrícia sobre o que fazia na data da tragédia.
À procura das vítimas
Passados três anos do colapso no reservatório da Vale, as autoridades afirmam que não há data prevista para encerramento dos trabalhos de buscas e identificações.
A procura em meio ao rejeito foi suspensa temporariamente em meados deste mês devido às fortes chuvas que caíram sobre a região de Brumadinho. O Corpo de Bombeiros acredita que o trabalho será retomado no próximo dia 8 de fevereiro, após revisão do plano de ação.
Desde janeiro de 2019, a operação só foi suspensa outras duas vezes, em função das restrições para conter a Covid-19.
Atualmente, os agentes usam máquinas pesadas e esteiras gigantes para remover a terra e analisar cada grama do material espalhado na área.
“Ainda é possível encontrarmos tanto corpos, quanto segmentos. Este é um dos motivos pelos quais a gente permanece com a operação. A preservação dele vai variar muito conforme o local conforme esse segmento é encontrado. Como aqui temos locais com alta concentração de minério, pode ocorrer fenômenos como a saponificação, que é quando o corpo fica de certa forma embalsamado”, explica o tenente Pedro Aihara, porta-voz dos Bombeiros de Minas Gerais.
Todo material localizado nas áreas de buscas é enviado para os laboratórios de análises da Polícia Civil, em Belo Horizonte, a quase 60 km de Brumadinho. Desde a tragédia, as equipes realizaram, em média, um exame de DNA por dia, relacionado ao caso. A maior parte resultou na reidentificação de corpos já localizados.
O médico-legista Higgor Dornelas, chefe do setor de DNA, explica que a análise do material genético é hoje um dos principais meios de identificação, já que a tragédia ocorreu há três anos. O especialista explica, entretanto, que não é raro alcançar tal feitio tanto tempo após o evento que causou a morte da vítima.
“A gente vê análise de materiais com mais de 1.000 anos que estão em museus ou são encontrados congelados. É possível obter DNA a partir destas amostras”. “Os ossos e os dentes que são encontrados hoje, que são as fontes de dna pra gente, têm duas características importantes. Primeiro, conservam o DNA por mais tempo, mas são mais difíceis de extrair o DNA deles”, detalha Dornelas.
Enquanto aguarda informações sobre a mãe, Patrícia parabeniza os agentes pelos trabalhos iniciados há três anos e encontra conforto junto a outras famílias na mesma situação.
“Se tem algo que sempre me move e emociona nesse tempo todo é o grupo das famílias das vítimas. Elas representam a minha família com todo carinho, como se fosse a deles, por que eu não posso estar lá. Me comove muito também os bombeiros e o pessoal do IML. Todo mundo que está envolvido neste esforço para trazer conforto para nós”, conclui.