- Taxa de mortes violentas na Amazônia Legal é 45% superior à média nacional; assassinatos cresceram 7,3% nas cidades rurais da região entre 2021 e 2022
- Ao menos 22 facções criminosas atuam em 178 municípios, que abrigam 57,9% de toda a população da região composta por 9 estados brasileiros
- Mulheres da Amazônia sofrem mais violência do que as demais brasileiras: taxa de feminicídio na região é 30,8% superior à média nacional; a de estupros é 33,8% superior à média nacional; indígenas 11% acima dos demais estados
- 15 municípios convivem com taxas de violência extrema e todos os estados apresentam índices maiores do que os registrados no restante do país
- Forças de segurança da região têm menos barcos e helicópteros do que a PM de São Paulo, apesar de atuarem em uma área 20 vezes maior
São Paulo (SP), 30 de novembro de 2023 – O elevado patamar da violência letal e a presença de facções criminosas são hoje os principais problemas na área de segurança pública enfrentados pela população que vive nos estados que compõem a Amazônia Legal. É o que aponta a última edição do estudo “Cartografia das Violências na Amazônia”, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC), sediado em Belém, no Pará. Segundo a publicação divulgada nesta quinta-feira (30/11), a região apresentou taxas de mortes violentas intencionais 45% superiores à média nacional, num total de 9.011 homicídios em 2022. Por meio de pesquisas de campo, os pesquisadores também traçaram mapas que indicam uma forte presença de ao menos 22 facções criminais presentes em 178 municípios, que hoje abrigam 57,9% dos habitantes da Amazônia Legal. A publicação também mostra que as mulheres da região hoje estão mais expostas à violência, com taxas de feminicídio, homicídios e estupros acima da média nacional. O estudo na íntegra será apresentado nesta sexta-feira na COP 28, em Dubai.
“A presença do crime organizado e a violência extrema são hoje as principais ameaças à soberania da Amazônia brasileira. As facções cada vez mais ocupam os espaços deixados pelo Estado, por meio de atividades até então lícitas como o garimpo e a extração de madeira, financiadas pelos gigantescos recursos gerados pelo tráfico de drogas transcontinental”, explica o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “Existe uma presença do Estado nas grandes áreas urbanas, mas isso não é suficiente para enfrentar a violência letal no interior da Amazônia, tampouco parra combater a concorrência com esses grupos criminosos, que acabam regulando a vida social de populações, com a oferta de emprego e renda em atividades ilícitas que garantem sua segurança e sobrevivência”.
A taxa de mortes violentas intencionais (homicídios dolosos, latrocínios, mortes decorrentes de intervenção policial e morte de policiais) na Amazônia Legal foi de 33,8 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes em 2022, contra 23,3 no restante do Brasil, ou seja, 45% maior na comparação. Essa diferença foi provocada, em grande parte, por um processo de interiorização da violência na Amazônia Legal: o número de assassinatos cresceu 7,3% nas cidades rurais, enquanto houve queda do mesmo indicador nas cidades urbanas (0,8%) e nas intermediárias (0,6%) da região.
Todos os estados da região apresentaram taxas de violência letal acima da média nacional em 2022, com destaque para o Amapá, com taxa de 50,6 mortes por 100 mil habitantes, seguido pelo Amazonas (38,8), o Pará (36,9), Rondônia (34,3), Roraima e Tocantins empatados com taxa de 30,5 mortes por 100 mil, Mato Grosso (29,3), Acre (28,6) e o Maranhão, com taxa de 28,5 por grupo de 100 mil habitantes.
A publicação também analisou as ocorrências nos 772 municípios quem compõem a Amazônia Legal, dos quais 15 apresentaram taxas de mortes violentas acima de 80 para cada grupo de 100 mil habitantes entre os anos de 2020 e 2022. As cidades com os piores índices encontram-se nos estados do Pará e do Mato Grosso, onde aparecem Floresta do Araguaia-PA (taxa de 128,6 mortes para cada 100 mil habitantes), Cumaru do Norte-PA (128,5), Aripuanã-MT (121,8), Alto Paraguai-MT (110,0), Mocajuba-PA (108,0), Anapu-PA (100,0), Novo Progresso-PA (99,9), São José do Rio Claro-MT (99,5), Abel Figueiredo-PA (95,2), Nova Maringá-MT (90,3), Ourilândia do Norte-PA (89,4), Iranduba-AM (89,2), Junco do Maranhão-MA (86,4), Colniza-MT (82,7) e Curionópolis-PA (80,7).
Violência contra mulheres e indígenas
O estudo também aponta que hoje as mulheres da Amazônia estão mais expostas à violência do que as demais mulheres brasileiras. A taxa de feminicídio nos municípios da região foi de 1,8 para cada 100 mil mulheres, 30,8% superior à média nacional, calculada em 1,4 para cada grupo de 100 mil habitantes. Já a taxa de mortes violentas intencionais de mulheres foi de 5,2 por 100 mil mulheres, 34% superior à média nacional, de 3,9 por 100 mil. O mesmo ocorre com as ocorrências de violência sexual: a taxa de estupros na região foi de 49,4 vítimas para cada 100 mil pessoas em 2022, 33,8% superior à média nacional, que foi de 36,9 por 100 mil no mesmo período.
No caso dos povos indígenas, a taxa de mortes violentas na Amazônia Legal é de 13,1 para cada 100 mil indígenas, segundo dados do Datasus (dados da área da saúde). Esse número é 26% mais alto do que a taxa de mortalidade por homicídio de indígenas nas demais cidades brasileiras, que é de 10,4 por 100 mil. O estudo também mostra a presença de 1.831 territórios quilombolas, dos quais apenas 179 tiveram a titulação definitiva ou foram oficialmente homologados, o que corresponde a apenas 9,77% do total das áreas.
Crime organizado
Segundo a publicação, a atuação do crime organizado continua em processo de expansão na região, em meio a uma disputa entre grupos criminosos pelo interior da Amazônia, uma área estratégica para os negócios do crime, tanto para o escoamento de drogas como também para outros ilícitos como o garimpo a extração de madeira. Por meio de pesquisas de campo e entrevistas, os pesquisadores conseguiram estimar a presença de 22 facções vinculadas ao narcotráfico na região, entre grupos nacionais e de países que fazem fronteira com o Brasil. De acordo com uma estimativa trazida pelo estudo, ao menos 178 cidades da Amazônia Legal convivem com a presença de algum desses grupos, indicando que ao menos 57,9% dos habitantes da Amazônia vivem sob o jugo do crime organizado. O relatório também se detém sobre alianças entre facções de base brasileira com congêneres de países vizinhos, com destaque para o recente fenômeno da penetração, em território brasileiro, de criminosos venezuelanos.
“Grupos criminosos já existiam na região, mas foram potencializados com a chegada das facções de São Paulo e do Rio de Janeiro interessadas em ocupar territórios ou fazer novas alianças para atuação no comércio da droga escoada pelas fronteiras, o que dá um pouco a dimensão da importância estratégica da região para a geopolítica do narcotráfico”, afirma Aiala Colares Couto, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e diretor do Instituto Mãe Crioula. “Garimpo e extração de madeira ilegais também já eram comuns na região, mas a chegada das facções permitiu novas conexões e relações, com o narcotráfico passando a utilizar uma parte dessa estrutura, sobretudo as pistas clandestinas, para alavancar seus negócios”.
Segundo a publicação, as atividades de garimpo legal cresceram exponencialmente na região entre os anos de 2018 e 2022. O estudo examinou os números decorrentes do recolhimento do Imposto de Extração de Minérios (CFEM. Enquanto no Brasil o crescimento foi 153,4%, nada desprezível, na Amazônia o salto foi ainda mais eloquente: 294,7%. Com isso, a arrecadação de impostos na região passou de R$ 43 milhões, em 2018, para R$ 170 milhões em 2022. O estudo destaca que o crescimento do CFEM nos últimos quatro anos reflete tanto o crescimento de ouro legalizado quanto o aumento da extração de ouro em garimpo ilegais, que é esquentado pela fragilidade de controle e fiscalização das DTVM, que compram o minério e assumem a responsabilidade pelo pagamento dos tributos.
Entre 2019 e 2022, a apreensão de cocaína por parte das polícias estaduais das 9 Unidades Federativas da Amazônia cresceu 194,1%. O crescimento do volume de cocaína apreendida pela Polícia Federal na região apresenta número da mesma ordem: 184,4%. O trabalho faz a ressalva de que o Relatório Anual sobre Drogas da UNODC (United Nations on Drugs and Crime) aponta para o crescimento de 35% das plantações de coca em 2021, o que contribui para a ampliação do volume disponível para apreensão em todo o planeta.
Registros de armas aumentam
Um olhar sobre o SINARM (Sistema Nacional de Armas), alimentado por dados provenientes da Polícia Federal, revela que o número de registros ativos de armas de fogo cresceu 47,5% no Brasil como um todo, entre 2019 e 2022. Mas a mesma fonte informa que tal indicador cresceu muito mais na Amazônia, no mesmo período: 91%. Em números absolutos, havia 115.092 registros de armas de fogo ativas em 2019. Três anos depois, o número saltou para 219.802.
A população carcerária também cresce mais na região. Se, no Brasil, os números inflaram em 43,3%, na Amazônia o crescimento foi de 67,3%, no mesmo período. Com menor capacidade investigativa das polícias civis na região, devido à insuficiente estrutura, a parcela de prisões provisórias é comparativamente maior na Amazônia, olhando-se para os dados do Brasil como um todo.
Os crimes ambientais também seguem rota de crescimento na Amazônia Legal. Entre 2018 e 2022, o desmatamento cresceu 85,3% na região; 619 ocorrências desse tipo penal foram contabilizadas entre as Polícias Civis dos estados amazônicos. A quantidade de incêndios criminosos registra subida de 51,3% no quadriênio; em números absolutos, há registro de 581 ocorrências nas PCs. Os autos de infração ambiental, lavrados pelo IBAMA, cresceram 40,1%,7.919 infrações, em números absolutos.
Estrutura do Estado
Diante do aumento da violência na Amazônia Legal, é importante observar a capacidade institucional dos órgãos de Segurança e Justiça, a começar pelo efetivo das forças de segurança da região. No caso da Polícia Civil, foram mapeadas 1.249 delegacias na Amazônia Legal, sendo 946 não especializadas e 303 especializadas. Roraima, por exemplo, têm 53 delegacias e o Acre, apenas 39. Em relação às especializadas, são 53 em toda a região que de alguma maneira se dedicam a temáticas abordadas no relatório, com destaque para o Pará e Tocantins que contam, cada um, com 14 Unidades do tipo.
Em relação ao efetivo de policiais militares, são pouco mais de 60 mil servidores da ativa em toda a Amazônia Legal. O relatório calculou o perímetro médio para o qual cada PM da região é responsável no patrulhamento e os dados indicam que, se a média, no Brasil, é que 1 Policial Militar seja responsável por cerca de 21km2, na Amazônia um PM é responsável por 83km2, o que revela o desafio de fazer segurança pública na região.
As Forças Armadas também estão presentes na região, sendo o Exército o maior expoente, com 109 unidades localizadas, principalmente, no estado do Amazonas. A Marinha e a Aeronáutica também se concentram com maior ênfase nesse estado, embora com menos unidades quando comparadas ao Exército. O estudo também traz dados sobre as Secretarias de Segurança Pública dos nove estados que, juntas, possuem 19 aeronaves e 24 helicópteros. Para se ter uma ideia, apenas a Polícia Militar de São Paulo tem 29 helicópteros e 4 aeronaves, segundo dados informados pela instituição. Em relação às viaturas terrestres existentes, são apenas 760 veículos desse tipo para toda a Amazônia Legal, com Estados como o Amapá, dispondo de apenas 20. Já as embarcações são 143 disponíveis às Secretarias de Segurança Pública da Amazônia Legal, além de 30 na Polícia Civil e 143 para a Polícia Militar. Esse número também é inferior ao da PM paulista, que tinha 636 embarcações em 2023, o dobro de embarcações da soma de todas as SSP, PM e PC dos nove estados da Amazônia Legal.
“A região da Amazônia Legal é 20 vezes maior do que o estado de São Paulo, mas possui menos helicópteros do que a PM paulista”, compara Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “O Estado brasileiro tem dado demonstrações de esforço para combater o desmatamento, mas só isso não será suficiente para proteger a região. Estamos diante de riscos à soberania do país, dada a importância da Amazônia, e isso exige um esforço maior de coordenação entre as forças de segurança para a retomada desses territórios”.
Para baixar o estudo completo, você pode acessar a página do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ou clicar neste link: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/cartografias-da-violencia-na-amazonia-2a-edicao/
Sobre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi constituído em março de 2006 como uma organização não-governamental, apartidária e sem fins lucrativos, cujo objetivo é construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área de atividade policial e na gestão de segurança pública em todo o País. Composto por profissionais de diversos segmentos (policiais, peritos, guardas municipais, operadores do sistema de justiça criminal, pesquisadores acadêmicos e representantes da sociedade civil), o FBSP tem por foco o aprimoramento técnico da atividade policial e da governança democrática da segurança pública. O FBSP faz uma aposta radical na transparência e na aproximação entre segmentos enquanto ferramentas de prestação de contas e de modernização da segurança pública,compreendida como direito fundamental e condição para o exercício da cidadania e para justiça social.
Sobre o Instituto Mãe Crioula
O Instituto Mãe Crioula (IMC) é uma entidade legalmente constituída e independente, sem fins lucrativos, que presta serviços à comunidade nas áreas de cultura, educação e ciência sobre as questões de justiça racial e de gênero, sustentabilidade econômica e ambiental, direitos humanos e paz social na região amazônica, no Brasil e no mundo. Somos uma entidade eminentemente Amazonida construída por Amazonidas, nos dedicamos em elaborar e desenvolver pesquisas na área de segurança pública, crimes ambientais, justiça climática, identidades territoriais e movimentos sociais, bem como, buscamos implementar ações nas áreas de educação, artes e cultura que versem sobre ancestralidade, etnicidade e territorialidades.
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