Cepa indiana circula no país, mas baixo número de testes e sequenciamentos genômicos podem mascarar realidade nacional
O número de novos casos da variante delta do SARS-CoV-2 aumenta diariamente no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, até quinta-feira (5) foram registrados 465 casos, em 10 Estados e no Distrito Federal, com 25 mortes confirmadas. A cepa Gama, que surgiu no Amazonas, segue predominante no país. Porém, o vírus que apareceu pela primeira vez na Índia e já é o mais encontrado no mundo pode estar subnotificado por aqui, segundo especialistas.
Desde o começo da pandemia, cientistas e profissionais da saúde alertam para o baixo número de testes e sequenciamentos genômicos feitos no Brasil. Baseado nessas informações, o epidemiologista Pedro Hallal, da UFP (Universidade Federal de Pelotas) e coordenador do Epicovid-19, alerta que a circulação da variante pode estar maior do que o registrado.
“Certamente que está subnotificada, pois o mapeamento genômico é uma exceção, e não uma regra no Brasil. Enquanto em outros países já sabemos o percentual das infecções que é causado pela Delta, aqui no Brasil seguimos voando no escuro, pela falta de investimento em testagem”, afirma Hallal.
Na última quarta-feira (4), o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, informou que da Delta já representavam 23% dos casos na Grande São Paulo. Carlos Fortaleza, infectologista e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica que a algumas amostras podem estar viciadas.
“É impossível dizer se está subestimado. Porque, enquanto no Instituto Adolfo Lutz uma em cada quatro amostras era Delta, em outro laboratório de genotipagem do Sistema de Vigilância de São Paulo, que colhe 400 amostras por semana, nenhuma Delta foi encontrada. Existe a possibilidade de ter uma amostra viciada. O Adolfo Lutz, claramente, tem a tendência de receber casos mais graves. Então, existe a possibilidade de estarmos vendo a variante que mais causa casos graves e não a que está com maior circulação no lugar”, observa Fortaleza.
“Não sabemos o quanto a Delta está circulando no país, porque nossa vigilância genômica é feita por amostragem e testamos muito pouco para afirmar com certeza isso. Eu espero que não esteja subestimado o número de casos da Delta, mas não podemos dizer. Não sabemos se temos pouco, médio ou muitos casos da nova variante”, diz a infectologista Rosana Ritchmann, diretora clínica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
De acordo com a realidade que está sendo observada no mundo, os especialistas já sabem que a nova cepa requer uma atenção maior, já que ela é mais transmissível e os efeitos das vacinas são mais evidentes após o esquema vacinal estar completo. Pensar que a variante está ganhando força no Brasil é possível já que somente cerca de 21% da população está completamente imunizada.
“Imaginamos que se esta variante realmente está entre nós e não estamos enxergando, ela está infectando muito mais pessoas mesmo vacinadas. Primeiro porque as vacinas variam muito a eficácia conforme a vacina e o paciente. Se o paciente me falar: doutora a vacina tal funciona bem? Vou responder que preciso saber qual é a vacina e quem é o paciente que tomou a vacina. Se estiver falando de uma pessoa de 80 anos diabético e de uma pessoa de 25 anos, é claro que a resposta será melhor no paciente mais jovem. Além de saber o esquema, temos de saber qual imunizante foi utilizado”, ressalta Rosana.
Fortaleza lembra, ainda, que a realidade da pandemia muda rapidamente. “O que sabemos é que, por mais que a variante delta está entrando no Brasil, ela não está se distribuindo com a mesma velocidade que a Amazônica se distribuiu, que, em menos de um mês, já era predominante. A Delta segue sendo minoritária, mas próxima semana pode ser diferente”, conclui o infectologista.