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EDUCAÇÃO

Estudo mostra desafios da educação infantil brasileira

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Norte e Nordeste apresentam os piores indicadores

O estudo Qualidade da oferta da Educação Infantil no Brasil: análise do Saeb 2021, divulgado nesta quinta-feira (16), chegou à constatação de que a qualidade da infraestrutura das escolas (creches) para crianças de 0 a 3 anos e da educação infantil de 4 a 5 anos de idade, apresenta muitos desafios em todo o Brasil. Essa foi a primeira coleta de dados em larga escala efetuada nas escolas para essas faixas etárias, com base em informações do Censo Escolar 2022 e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) da Educação Infantil, de 2021. 

O levantamento foi efetuado por Tiago Bartholo e por Mariane Koslinski, pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (LaPOpE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com financiamento da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV). Ele permite, em alguma medida, captar como as políticas nesse campo estão sendo implementadas.

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Bartholo comentou que a educação infantil vem recebendo, de fato, aumento de recursos nos últimos anos, com maior cobertura para crianças de 0 a 3 anos na creche e crianças de 4 a 5 anos frequentando a educação infantil. “Isso é muito importante mas o que os estudos todos mostram é que garantir a vaga é insuficiente quando estamos pensando naqueles benefícios que a educação infantil traz para o bem-estar e para o desenvolvimento das crianças. Para que esse benefício se concretize, é importante que essa oferta seja de qualidade”.

Equipamentos

A partir de um indicador que considera a soma dos sete equipamentos voltados para o público infantil (tanque de areia, gira-gira, gangorra, escorregador, casinha, balanço e brinquedo para escalar), foi observado que escolas das regiões Norte e Nordeste, em média, apresentam 2,2 e 2,1 equipamentos, respectivamente. Já as escolas das regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentam quatro equipamentos, e as da Região Sul, 4,8. No que diz respeito à dependência administrativa, as escolas públicas possuem, na média, 3,2 equipamentos. O número sobe para quatro, nas escolas privadas conveniadas e 4,3 nas escolas particulares não conveniadas. Sob a perspectiva da infraestrutura das unidades educativas, os dados indicam baixa frequência de brinquedos para o público infantil como gira-gira (46,2%), gangorra (38,5%) e balanço (34,3%) nas escolas.

O levantamento investigou dois grandes grupos: um é o chamado de qualidade da infraestrutura e dos materiais pedagógicos disponíveis e outro é a qualidade das atividades propostas, das interações entre professor e as crianças. “O Saeb 2021 permite olhar com mais detalhe e refinamento para essa questão da qualidade da infraestrutura”, manifestaram os pesquisadores. Observa-se, por exemplo, que essa é uma dimensão que ainda tem desafios muito importantes, especialmente na rede pública. Há desigualdades de oportunidades em relação à rede privada conveniada e à rede privada. “O desafio, sem dúvida, é maior na rede pública. Mas a gente observou também diferenças quando pensa em diferentes regiões e estados do Brasil”.

Qualidade

O que os dados sugerem é que quando se olha para a qualidade da infraestrutura das escolas de educação infantil, o Norte e o Nordeste são os que apresentam os piores indicadores, mais desafiadores do ponto de vista de uma demanda por uma melhora dessa qualidade. Isso demanda, por sua vez, aumento do investimento para a primeira infância. Tiago Bartholo sustenta que, por um lado, há necessidade de mais investimento para expandir a qualidade da infraestrutura, como os equipamentos presentes nas escolas, verificando-se se a instituição tem área externa e sombreada para as crianças brincarem; se tem vegetação; se tem horta; se tem banheiros adaptados para essa faixa etária; se existem brinquedos que incentivem e permitem movimento das crianças, como balanço, gangorra. Esses fatores, segundo o pesquisador, impactam diretamente o trabalho desenvolvido, as experiências que as crianças têm e as oportunidades de se desenvolverem.

Além do desafio da melhoria da qualidade da infraestrutura, Bartholo salientou que ficou bem claro o desafio da desigualdade entre rede púbica e privada. “Na média, segundo dados do Saeb e dos indicadores que nós construímos, a rede pública tem níveis de infraestrutura piores do que a rede privada e a rede conveniada. Disse também que escolas que têm oferta de educação infantil exclusiva, em vez de educação infantil e fundamental funcionando no mesmo ambiente, apresentam, na média, estrutura mais adequada para educação infantil. Isso também se verifica por região. Os melhores indicadores são encontrados no Sul do país, seguido pelo Sudeste e Centro-Oeste, e com indicadores piores em relação à infraestrutura no Norte e Nordeste. Cerca de 21,6% dos municípios brasileiros indicaram não possuir programas desse tipo. A Região Sul apresenta o maior índice de oferta (89,5%), seguido pelo Nordeste (80,7%). Já o Sudeste é a região com menor índice de oferta (70,6%), seguido pelo Norte (72,3%) e Centro-Oeste (73,9%).

Recursos pedagógicos

Em relação aos recursos pedagógicos, o estudo abordou três questões: se as crianças têm autonomia para manusear os livros, se manuseiam os livros todos os dias e se os professores leem livros para as crianças diariamente. Essa pergunta foi feita no Saeb para os professores. As informações do Saeb foram coletadas a partir de questionários online, respondidos por 4.677 gestores municipais, 35.188 diretores e 23.953 professores. Bartholo informou que o total de professores contatados foi de mais 62 mil, mas menos de 40% que estavam na mostra responderam. Os professores de escolas públicas têm taxas de resposta mais elevadas que das escolas privadas não conveniadas. Isso diminui a capacidade de monitoramento do que está acontecendo de fato na educação infantil, indicou Mariane. “E o questionário do professor é o mais interessante para monitorar a educação infantil”.

A pesquisadora disse que gostaria de ver mais questões que consigam descrever os processos pedagógicos que acontecem dentro de sala de aula. “Na nossa visão, há pouca informação sobre os planejamentos que são propostos, as atividades que são feitas com as crianças. A gente acha que nas edições futuras do Saeb, isso seria interessante porque têm relação direta com as experiências que as crianças estão tendo dentro da sala de aula e a literatura toda mostra que esses são aspectos muito importantes para o desenvolvimento das crianças”.

Na questão dos recursos pedagógicos, Mariane chamou a atenção para os recursos de acessibilidade para atendimento à educação especial. Afirmou que as escolas públicas têm mais demanda por recursos humanos para atender à educação especial. Nesse ponto, há também desigualdades regionais. No Norte e Nordeste, os diretores relatam mais dificuldades e falta de recursos para atender a educação especial. Lembrou também que o Saeb permite monitorar políticas das secretarias de Educação, para verificar se estão atendendo a educação infantil, como formação específica de professores da educação infantil, cálculo de demanda por vagas na educação infantil e, também, um programa de busca ativa escolar voltado para a pré-escola, por exemplo.

“É bom ter um sistema de monitoramento que chame a atenção de que não é na mesma proporção para outras etapas da educação básica, até para incentivar as secretarias a investir mais na educação continuada de professores da educação infantil”. Com isso, é possível elaborar indicadores que auxiliem na implementação das estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como subsidiar a elaboração de políticas públicas que garantam que as estratégias sejam alcançadas”.

Tiago completou que existe uma demanda importante por parte desses profissionais.

Diferenças

O estudo confirma as diferenças entre rede pública e rede privada não conveniada, em especial no que se relaciona à autonomia das crianças e ao manuseio de livros em sala de aula. “A gente acha que isso pode ter relação, sim, com a simples oferta, a disponibilidade desses materiais, se eles existem ou não”. Sobre se os professores leem todos os dias para seus alunos, a pesquisa mostra que para 15% dos respondentes, essa é uma atividade que não acontece todos os dias.

“O ideal é que isso acontecesse todos os dias. É uma atividade muito importante que deveria fazer parte da rotina diária dos professores com as crianças. A contação de histórias e a leitura de livros são muito importantes para diversas dimensões do desenvolvimento das crianças. Auxilia, por exemplo, no desenvolvimento do vocabulário das crianças e estimula a imaginação”, sinalizou Tiago Bartholo.

De acordo com o estudo, 72% das crianças da rede pública manuseiam livros diariamente, enquanto a rede privada apresenta valores maiores de 85%. O pesquisador da UFRJ afirmou que esse número (85%) parece alto, mas chama a atenção negativamente, porque os autores do levantamento gostariam de ver esse número mais próximo de 100%. Mariane completou que esse tipo de informação é importante para os cursos de formação continuada dos professores, para melhorar essas práticas pedagógicas em sala. Destacou também a necessidade de haver informações sobre a relação que a escola estabelece com a família das crianças, “principalmente para essa etapa, a gente sabe que essa relação é crucial para o bem-estar e o desenvolvimento dessas crianças, até para o Inep monitorar esses procedimentos em sala”.

Critérios

Outro dado de destaque é que o Norte e o Nordeste apresentam indicadores melhores para a escolha de diretores nas escolas de educação infantil do que as demais regiões. O estudo revela que um terço dos diretores da educação infantil são escolhidos sem critérios técnicos que incluem titulação acadêmica, curso de formação para gestores escolares, tempo de serviço e experiência em gestão para a escolha dos diretores das unidades de educação infantil.

Nessa área, os resultados apurados envolvendo crianças bem pequenas e crianças maiores mostram que estados do Nordeste apresentam índices bem acima da média. No Norte e no Nordeste, somente 22% dos municípios não utilizam critérios para a escolha dos diretores, contra 35% dos municípios do Centro-Oeste e do Sudeste, cada, e 32% dos municípios da Região Sul. Tiago Bartholo assegurou que esse é um dos meios que evidenciam a importância dessas ferramentas de avaliação e monitoramento. A Meta 19 do Plano Nacional de Educação (PNE) indica a importância da escolha do diretor a partir de critérios técnicos.

Em termos da utilização de maior número de critérios para a escolha dos diretores, o Norte e o Nordeste brasileiros se sobressaem da mesma forma, com índices de 40% e 35% das cidades, respectivamente, que usam entre três e quatro critérios técnicos. O índice cai para 24%, 26% e 19% entre os municípios nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Mariane Koslinski ponderou que pensar no Brasil critérios de seleção a partir de titulação acadêmica, experiência, formação, é um incentivo novo. “A gente teve, por bom tempo, vários incentivos para ter gestão democrática, para que tivesse consulta pública sobre os gestores e, mais recentemente, foi agregada essa ideia de que nós precisamos de pessoas também especialistas em gestão escolar que precisam de melhor formação para a gestão escolar”. Segundo analisou, o que o estudo mostra é que os municípios ainda estão se adequando às novas regras. “A gente acredita que, nas próximas avaliações, vai ter uma porcentagem maior de municípios de todos os estados”.

Campanhas

Os pesquisadores dizem acreditar que campanhas de sensibilização podem gerar taxas de resposta mais altas., em especial dos professores, nas edições futuras do Saeb, em especial para aspectos vinculados à educação infantil. Isso propiciará ter maior compreensão do que são as múltiplas infâncias. “A gente acha que seria importante o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), junto com o Ministério da Educação (MEC) fizessem campanhas de sensibilização e outras estratégias ativas para aumentar a participação dos professores e professoras da educação infantil no Saeb”. Lembrou que isso já ocorre no Saeb do ensino fundamental e do ensino médio, que sofrem reformulação para melhorar o tipo de considerações formuladas.

Por rede pública conveniada entende-se a rede que tem convênio com o setor público. Isso é muito utilizado na educação infantil para oferta de creche, ou seja, para ampliar a oferta de vaga. Como, em geral, existe uma sobre demanda, ou seja, mais famílias querendo vagas do que vagas existentes nas escolas da rede pública, uma estratégia adotada são as escolas conveniadas à rede pública municipal. Na maioria dos casos, quando se fala em rede conveniada, quer dizer que não tem custo de mensalidade para os pais, o que difere da rede privada não conveniada. É uma forma de o setor público ampliar essas vagas em tempo curto. É uma solução emergencial para a falta de vagas e é mais comum na oferta de creche, para crianças de 0 a 3 anos.

Além deste material, outras duas publicações foram produzidas a partir dos dados do Saeb: Qualidade da oferta da Educação Infantil no Brasil: análise por estado do Saeb 2021 e Avaliação do Saeb da Educação Infantil 2021:possibilidades, limites e recomendações. As publicações podem ser vistas na biblioteca da FMCSV a partir desta quinta-feira.

Edição: Aline Leal

Foto: Marcelo Camargo

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